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Aumenta rejeição a ideias golpistas, mostra pesquisa


Por Ricardo Mendonça*

Em meio à pandemia, crise econômica e insinuações de uma guinada autoritária, a condescendência dos brasileiros à ideia de um golpe militar caiu. Com tendência de queda também estão as imagens de duas instituições vistas como alicerces do bolsonarismo: as Forças Armadas e as igrejas.

As informações aparecem na terceira rodada anual de uma pesquisa sobre o tema feita pelo Instituto da Democracia, grupo que reúne pesquisadores de onze instituições no Brasil e no exterior.

O indicador mais eloquente é o que associa a defesa de um golpe ao temor em relação à criminalidade - um dos temas centrais na eleição de 2018. Naquele ano, 55,3% dos pesquisados entendiam que um golpe militar “seria justificável” numa situação de muito crime. Um ano depois, o indicador já havia recuado para 40,3%. Agora, baixou para 25,3%, menos da metade da taxa de 2018. De cada dez brasileiros, sete dizem “não” a essa hipótese.

A pesquisa foi feita entre 30 de maio e 5 de junho, uma semana após o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, dizer que a eventual apreensão do celular de Bolsonaro autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poderia ter “consequências imprevisíveis”. O próprio presidente disse que jamais entregaria seu aparelho, o que configuraria desrespeito à ordem judicial. Na semana passada, foi a vez do também militar Luiz Eduardo Ramos, secretário de Governo, declarar ser “ultrajante e ofensivo” dizer que as Forças Armadas vão dar um golpe, mas ressaltou que o “outro lado” não pode “esticar a corda”.

Tendência parecida ocorre na simulação feita com a ideia de golpe associado a um quadro de corrupção generalizada - outro tema-chave das eleições de 2018, muito impactadas pela Lava-Jato.

Na época, pouco menos da metade da população pesquisada (47,8%) concordava que um golpe “seria justificável” numa situação de muita corrupção. Hoje, esse entendimento é compartilhado por 29,2%. Para um grupo duas vezes maior, 65,2%, corrupção não é justificativa para golpe militar.

Ainda mais altas são as taxas de rejeição à ideia de ruptura associada ao alto índice de desemprego (79,2% repelem) ou fechamento do Congresso ante uma situação de muita dificuldade (78% contra).

Com o debate sobre ruptura em voga por iniciativa de apoiadores do presidente, quem começa a pagar mais caro são as Forças Armadas.

O levantamento identificou sinais de corrosão na imagem da instituição. Erguido aos poucos desde o fim da ditadura (1964-1985), o sentimento de confiança aos militares caiu sete pontos desde 2018, de 33,9% para 27%. Mais preponderante agora é a taxa que reflete certa desconfiança em relação aos militares. Os que dizem confiar “mais ou menos” na instituição são a nova maioria, 33,8%.

Também não é bem vista a forte presença de militares em cargos de primeiro e segundo escalão, algo promovido por Bolsonaro desde a posse. Para 58,9% isso não ajuda a democracia. É quase o dobro dos 30,1% que não veem problema.

Constantemente presentes nas listas de campeãs em imagem positiva, as igrejas também começam a apresentar sinais de desgaste. A confiança incondicional (taxa dos que dizem confiar muito) recuou de 35,2% para 29,7% desde 2018.

“O eleitorado começa a se afastar dos temas mais clássicos do bolsonarismo”, diz o cientista político Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos coordenadores do estudo. “O brasileiro tinha muita confiança nas Forças Armadas e nas igrejas. Já não tem mais tanto assim. A confiança não desabou, mas há sinais de deslocamento.”

Avritzer destaca, na contramão, indícios de alguma recuperação nas imagens de instituições tradicionalmente achincalhadas pelo eleitorado. A taxa dos que dizem não confiar no Congresso caiu de 56,3% para 37,2% em dois anos. “Até os partidos, que sempre são os últimos colocados, esboçam melhoria.” Nesse caso, o contingente dos que não confiam recuou de 76,9% para 66,9% no mesmo período. Os que dizem confiar “um pouco” subiram de 12,3% para 20,5%.

O pesquisador suspeita que parte disso pode ser atribuído à covid-19: “As pessoas enxergam na epidemia mais necessidade de apoio às instituições”. A percepção sobre o Judiciário confirma. Entre 2018 e 2019, a taxa dos que diziam não confiar no Judiciário havia subido de 33,9% para 38,2%. Agora, com pandemia e em meio a ataques de bolsonaristas ao STF, recuou para 21%. O grupo dos que confiam muito no Judiciário subiu de 8,3% para 13,6%. E os que confiam “mais ou menos”, de 28% para 39,4%.

A elevação do prestígio dessas instituições e a ampliação da repulsa à ideia de golpe, porém, não são acompanhadas por aumento da satisfação com a democracia. No ano passado, 32,9% diziam estar satisfeitos ou muito satisfeitos com o regime. Hoje são 25,1%.

Para Avritzer, isso ocorre porque grande parte da população associa a ideia de democracia ao funcionamento do governo: “Se a gestão ou a economia vai mal, a satisfação com a democracia cai. É uma ideia pouco sofisticada do conceito. Não pensam democracia como um valor”. O aumento da insatisfação com a democracia, de qualquer forma, não parece ter relação com tentações golpistas.

O Instituto da Democracia é formado por grupos de pesquisas de quatro instituições principais: UFMG, Iesp/Uerj, Unicamp e UnB. Participam outras cinco instituições nacionais (USP, UFPR, UFPE, Unama e IPEA) e duas estrangeiras (CES/UC e UBA). O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de MG. Foram ouvidas 1.000 pessoas por telefone. A margem de erro é de 3,1 pontos.

*Publicado originalmente no site Valor Econômico (acesse aqui a publicação original)

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